Se me perguntassem, não saberia dizer como o telefone havia ido parar, uma vez mais, entre meus dedos trêmulos. As últimas horas haviam passado em um borrão indistinto - uma mistura estranha de bares, bebidas, lábios, mãos e luzes nublando meus pensamentos. Eu havia bebido durante toda a madrugada, tinha certeza... Minha cabeça latejava e rodava e minha roupa cheirava fortemente a álcool.
E, apesar de não me lembrar do que havia feito ou de como havia chegado até o meu sofá, com o telefone encostado ao ouvido, eu sabia para quem estava ligando antes mesmo que a voz soasse do outro lado da linha. Não havia como duvidar.
- Por onde andou nos últimos dias? - Foi a saudação calmamente pronunciada. E eu estremeci, como sempre estremecia quando ouvia a voz
dele. - Não recebi notícias suas.
- Estava por aí. - Tentei fingir não me importar. Tentei manter meu tom descontraído. Tentei impedir que cada parte do meu corpo implorasse por mais algumas palavras... Palavras que não vieram. Suspirei, vencida. - Estive tentando não sentir sua falta... Tentando ser forte sem você.
- Não entendo essa sua forma estranha de sentir saudades. - Ele murmurou, e eu sabia dizer exatamente qual era sua expressão.
Sabia que seus braços estavam cruzados sobre seu peito e que suas sombrancelhas estavam unidas sobre seus olhos castanhos, sua testa franzida. Era tão raro vê-lo aborrecido que quase me senti culpada por ter arruinado sua constante alegria. Quase. Estava ocupada demais tentando lutar contra um sorriso... Porque aquela era a forma que ele tinha de dizer que não me queria em outros braços.
- Eu tento te encontrar em outra pessoa... Mas, no final, a sua foto é o que me traz um pouco de paz. - Fechei os olhos ao falar, imaginando a expressão em seu rosto suavizar-se pouco a pouco, transformando-se em um sorriso disfarçado. Ele detestava clichês, mas amava quando era eu quem os dizia. - Você não sabe a falta que você me faz.
- Ontem nossa música tocou no rádio. - Ele confessou, hesitante. Imaginei sua camisa xadrez, seu perfume discreto, os fios de cabelo caindo em seus olhos. Tive vontade de erguer a mão e afastá-los, apenas para que ele a segurasse e plantasse um beijo em sua palma. - E eu desejei estar mais perto... Desejei poder te proteger dos trovões. - Rimos debilmente. Lutei contra as lágrimas. - Talvez a gente não tivesse que se separar, no final... Nem consigo me lembrar porque acabou.
- Talvez você pudesse voltar. - Propus, afastando um tremor da voz.
Tive vontade de rir novamente das suas tentativas mal-sucedidas de tocar violão. De lhe ajudar a procurar o casaco pela confusão da casa. De ouvi-lo murmurar, maroto, que eu baixava os olhos e mexia os dedos quando mentia. De perder a noção do tempo entre músicas, risos e solos imaginários de bateria.
- Talvez. - Ele concordou, hesitante, e meu coração contraiu-se dolorosamente em meu peito. - Mas não agora. Agora preciso organizar a minha vida. E você precisa dar um jeito na sua. Tente não passar mais uma semana sem me ligar, certo? - E eu sabia que ele estava confessando sentir falta da minha voz. Estava confessando me amar.
- Tente encontrar o par certo da sua meia antes de sair. - Ele riu. Sabia que eu estava confessando amá-lo. Sem responder, desligou o telefone.
Afundei meu rosto em uma almofada próxima, deixando o telefone rolar para o chão e minhas pálpebras se fecharem pesadamente. O latejar da minha cabeça foi, devagar, cedendo espaço para a inconsciência - e a realidade deixou-se levar por aquele beijo, com as pontas de nossos All Star tocando-se ternamente.
[Texto escrito para o Bloinquês.]