quinta-feira, 28 de março de 2013

Almas gêmeas

Eles se conheceram por acaso: O destino se distraiu por um momento e foi o que bastou para eles se encontrarem. Emoldurados por uma tarde alaranjada de outono e pelas palavras vazias de quem não entende que o silêncio fala mais, esbarraram no olhar um do outro e congelaram o instante. Ele, um cético que não conhecia nada além do que diziam seus livros sobre a Segunda Guerra Mundial. Ela, confiante na vida e no mundo, apaixonada pelos sorrisos e ritmos que o passado deixara. Ele achou que os olhos dela tinham textura de casca de árvore e a profundidade inexplicável dos infinitos. Ela achou que os olhos dele tinham cor de chocolate quente ou café com licor. Ela, que sempre tinha explicação pra tudo, sentiu um arrepio que não soube explicar, partindo da base da sua espinha e parando só depois de tomar seu corpo todo como uma tropa inimiga invade um forte. Ele, que não acreditava em nada, entendeu naquele olhar que já a conhecia de muitas vidas, que já a amava há muitas eras e que aquele encontro estava escrito onde quer que essas coisas sejam escritas. Ele se apaixonou. Ela preferiu não rotular, apesar de todos saberem, desde o primeiro sorriso, que aquilo era amor. Encontraram-se completamente desregulados - ele, teimoso demais; ela, covarde até o fim. O que nasceu foi amor, o que eles fingiram foi amizade. Ela arrumou um namorado com quem cruzar as ruas de mãos dadas até que ele se escondesse na escada de incêndio para chorar e esmurrar as paredes. Ele percorreu todas as festas, beijando todas as bocas, bebendo de todas as garrafas e fumando de todos os cigarros apenas para, no fim, fingir alguma felicidade para descobrir se ela se importava - ela se importava. Eles se desencontraram em todos os encontros após o primeiro. Confessaram o inconfessável, negaram o inegável, calaram o que o silêncio gritava. O tempo se desenrolava, o sol e a lua continuavam em seu implacável revezamento e eles pareciam seguir o padrão - perseguiam um ao outro sem nunca poder se tocar. Os olhos mentiam, mas os toques eram demorados demais, os sorrisos eram francos e até um pouco tristes. Eles transbordavam verdade quando se permitiam um erro calculado que lhes permitisse entrelaçar os dedos ou se olhar por tempo suficiente para que os olhos se beijassem. Todos sabiam. Eles sabiam. Ele cansou, calou, gritou, pediu, chorou, desistiu. Ela cansou, calou, gritou, negou, chorou, desistiu. Eles se encontraram em uma cafeteria de esquina, cada um de um lado da mesinha, ambos de malas nas mãos e voz rouca. Sentaram. Ele pediu um expresso, ela pediu um chá. Ele pediu desculpas pela insistência, ela pediu desculpas pela omissão. Ele estendeu o braço para que apertassem as mãos e reconstruíssem a amizade, ela o puxou para perto e lhe beijou a boca. Ela pediu que ele lhe dissesse as horas para que ela pudesse ajustar seu relógio ao dele - aproveitaram para ajustar também passos e compassos, ritmos e tons. Encaixaram - os lábios, os corpos, as vidas, as almas, os risos. Seguiram juntos, tão juntos que viraram uma vida só. Cresceram juntos, amadureceram juntos, enfrentaram juntos, aprenderam juntos. E emprestaram tanta cor um ao outro que esqueceram como era a vida antes de se saberem amor. Almas gêmeas são assim, afinal - podem se perder por vidas inteiras, mas estão destinadas a uma eternidade no fim da busca.
Um dia ela confessou: "Eu sempre soube que era você". Ao que ele respondeu: "Eu sempre soube que você sabia". E se amaram.

(Mari, você é o amor da minha vida. Eu agradeço todos os dias por você estar em minha vida. Tudo valeu a pena, tudo vale a pena e tudo sempre vai valer a pena se eu tiver você comigo. Sou seu. Eternamente seu. Só seu. Eu te amo.)

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

"E se amar, se amar até o fim!"

Acordei devagar, com o coração palpitando de leveza e calma, de ansiedade e tempestade, de paradoxo, de vontade de você. O relógio tiquetaqueava devagar e eu sabia que ainda era cedo pra te esperar. Rolei pra fora da cama, procurei me distrair. Escovei os dentes daquele jeito que só escova quem tem dentista em algumas horas, tomei banho cantando minhas músicas favoritas e todas elas me faziam pensar em você. Peguei a primeira roupa que encontrei jogada pelo chão do quarto, me arrastei até a cozinha para fazer o café. Lembrei que você ainda precisava provar do meu café, porque é a única coisa que sei fazer direito na cozinha e quero te impressionar pra ver se você não desiste de mim mesmo eu sendo assim, todo complicado e louco por você. Torrei pão, melequei a mesa, quase sujei minha roupa quase limpa. Lavei os pratos cantarolando sua banda favorita e pensando que é uma sorte que eu não me incomode de lavar a louça ou teríamos brigas diárias em um futuro ainda nublado pela incerteza do tempo. Voltei para o quarto e ainda era cedo demais. Tentei escolher um livro, mas todos os autores na minha estante têm seu nome nas entrelinhas. Liguei o computador, chequei a caixa de entrada, as redes sociais, li textos, ouvi Maglore e Cascadura e Ira! e Tiê... Os ponteiros do relógio insistindo em girar ao contrário e nem era meio-dia ainda! Olhei pela janela... Céu cinzento, dia de vento, tive vontade de te puxar pela mão pra dançar na chuva. Mesmo que eu não saiba dançar. Almocei sem fome nenhuma - só tinha fome da sua presença. Escovei os dentes ainda mais vigorosamente que da primeira vez. Calcei os tênis, enfiei o dinheiro e a identidade no bolso, saí de casa. Milésimos de segundos antes de a porta bater, percebi que esqueci a chave de casa na mesinha de cabeceira. Dei meia-volta pensando em você e em sua vizinha que tem a chave de sua casa porque você sempre se tranca do lado de fora. Que nem eu. Que problema que vamos ser juntos... Saí ainda adiantado, mas não dei bola. Só queria ter o que fazer, adiantar logo essa consulta, sofrer o que tivesse que sofrer pra poder te ligar e dizer que a tortura acabou e é hora de você me dar dengo. Andei pela rua assobiando e as pessoas me olhavam de esguelha. Fiz caretas para as crianças, abri as portas para as senhoras. Pude ouvir cada um deles pensando "Que rapaz esquisito! Não sabe que a felicidade já morreu há tempos? Não entende que o mundo capitalista de hoje em dia não tem espaço pra essa alegria boba e sem sentido? Quem ele pensa que é, sorrindo assim pro vento, fazendo gentilezas a torto e a direita? Vai terminar em um hospital psiquiátrico, isso sim!", mas não liguei. Incomodei sem me incomodar. Porque minha felicidade é toda culpa sua. Veja bem, na metade do caminho, começou a chover pesado e eu percebi que tinha esquecido o guarda-chuva, que ia chegar no consultório ensopado para passar no mínimo uma hora sentado no ar-condicionado enregelante da clínica, com os documentos empapados e programas chatos na TV baixa demais. E em vez de xingar, eu ri. Porque, no fundo da minha mente, podia me imaginar contando tudo isso pra você, fazendo drama, me encolhendo em seu colo com manha e pedindo pra você me cuidar porque sei que vou ficar gripado. Porque ter uma boa história pra te contar e despertar seu riso é mais importante. Porque ter você pra me fazer chamego é mais interessante. Porque o importante era o tiquetaquear do relógio, indicando que faltava menos tempo pra nosso encontro, nosso beijo-desajeitado-do-jeito-certo, o cheirinho de sabonete da base do seu pescoço, seus cachos que eu adoro mais que tudo nesse mundo, seu corpo feito pra encaixar em meu abraço. Foi por sua causa que eu sorri no meio da tempestade e improvisei um sapateado nas poças enquanto todos corriam pra se esconder. Foi por isso que eu desejei uma boa tarde à recepcionista antipática e até dei risada e tentei fazer piada enquanto a dentista arrancava minha alma com aqueles instrumentos de tortura. Foi por isso que eu prometi passar lá com mais frequência e quase me convenci a realmente fazê-lo. Não me atrevi a olhar o relógio, mas meu coração já batia desgovernado por saber que era quase hora. Parei na banca no caminho de casa e pedi ao senhor o mesmo de sempre - Trident de canela, por favor. Sentei na janela, masquei um chiclete, olhando as nuvens se mexerem e a chuva não cair mais e as crianças brincarem no playground do prédio da frente. Aí eu te liguei. E minhas mãos tremiam de ansiedade enquanto o telefone chamava três longas vezes. E falei que estava te esperando com meu ar-condicionado, minha cama macia, um filme bobo, café quentinho. Queria falar também que estava te esperando minha vida inteira, que tinha um-mundo-e-um-pouco-mais de amor pra te dar, que queria te sequestrar e te fazer de refém em minha cama até você concordar em ser minha esposa. Mas engoli tudo porque você não precisava saber o quanto sou louco por você, bobo por você, infinito por você. Você disse que tava saindo de casa, beijo-até-já e eu voei pela bagunça, jogando pra debaixo da cama rascunhos mal-feitos e meias sujas, levando pra cozinha todos os copos que sempre esqueço ao redor da cama. E agora você está aqui, deitada do meu lado, com os pés entrelaçados aos meus e fazendo meu ombro de travesseiro, rindo melodicamente enquanto te conto minhas desventuras durante as partes que a gente já decorou do filme que é mais nosso que de qualquer outra pessoa. E sei que vou amar pra sempre os ossinhos de seus pulsos, seu meio-sorriso-de-boca-fechada, seu tamanho de bolso, seu jeito de franzir o nariz quando ri, esse brilho que nem sei descrever que só seus olhos tem, sua falta de jeito feita pra combinar com minha tendência a desastres e formar uma bomba de amor catastrófico, sua mania de transformar tudo em arte e cantarolar aleatoriamente algumas palavras e mudar de assunto sem aviso prévio. E toda a espera do mundo vale a pena se for pra ter o seu sorriso colado ao meu no final do dia e dormir com seu gosto em minha boca.


"Deixa o moço bater
Que eu cansei da nossa fuga
Já não vejo motivo
Pra um amor de tantas rugas
Não ter o seu lugar..."

(Conversa de botas batidas - Los Hermanos)