quinta-feira, 20 de outubro de 2011

"Talvez eu seja o último romântico dos litorais..."

Eu sou dessas, você sabe... Dessas poetas de boteco de que o mundo está cheio. Você sabe que sou dessas que escrevem versos em guardanapos e suspiram paixão entre goles. Na manhã seguinte te acordo com beijos doces na ponta do nariz, querendo só mais um pouquinho do seu gosto e do seu cheiro - sempre mais um pouquinho de você, pra sempre só mais um pouquinho. Você sabe que meus sentimentos são mais oscilantes e assustadores e intensos que montanha-russa - também sabe que você é a única constância dessa minha confusão, a âncora que eu procurei em tantos lábios antes de achar os fogos de artifício nos seus. Sou dessas de raiva passageira, você sabe que choro as mágoas mais doídas e desfio as palavras mais amargas só para, meia hora depois, me enroscar de novo em seu colo com os dedos afundados em seus cabelos. Você sabe que sou dessas que calam o ciúme com um sorriso mesmo quando o coração parece passarinho perdido, batendo nas costelas, subindo pra garganta e fazendo doer e doer o medo de perder você - no fundo é só isso mesmo: Medo de perder meu sonho mais bonito pra um amanhecer inesperado. Sou dessas, você sabe... Você sabe que me preocupo quando você não aparece e não dá explicação, sabe que te mando comer direitinho e não tomar café antes de dormir, sabe que sei de cor todos os seus compromissos e sonhos e planos e sorrisos e medos. Você sabe que nem ligo quando você diz que sou pior que sua mãe porque você sabe - e eu sei que você sabe - que eu só faço essas coisas porque te quero tanto bem. Você sabe que sou dessas que precisam de colo - mais, você sabe que preciso do seu colo, da sua manha, do seu carinho, da sua camisa limpinha e da sua mordida no meu lábio. Você sabe, você sabe, que sou dessas que querem abraçar o mundo e choram baixinho de madrugada porque tem braços pequenos demais - você sabe que só durmo bem quando sua respiração me embala, seus dedos brincam com as curvas das minhas costas e seu rosto pesa feito pena em meu ombro.

Sou dessas, você sabe... Dessas que murmuram baixinho, antes de dormir, como uma espécie de oração sempre interrompida por um bocejo: "Sei que todo 'pra sempre' termina, mas, meu Deus, deixa o universo terminar antes desse, tá?".


"Me dá um beijo então
Aperta a minha mão
Tolice é viver a vida
Assim, sem aventura

Deixa ser
Pelo coração
Se é loucura, então
Melhor não ter razão..."

(O Último Romântico - Lulu Santos)

domingo, 2 de outubro de 2011

A menina e o pássaro.

- Aonde vai, pássaro, que tem tanta pressa?
- Ora, menina, mas não é claro? É inverno e vou atrás do meu amor.
- E onde está esse seu amor?
- Longe. Onde os dias são quentes, o céu é azul e as flores riem suas mil cores para quem quiser ver.
- E como é sua amada, pássaro?
- Mas não é claro, menina? Ela é flor: Bela, delicada, cheia de cor e dor e amor. Ela cheira a primavera, se move como brisa e seu riso tem gosto de saudade.
- Por que não está com ela agora, pássaro?
- Porque nem sempre a gente pode ter tudo o que quer, menina. Veja bem, eu a queria, a queria mais que a qualquer outra coisa, mas um pedaço de mim voou para tão longe que o perdi de vista... E eu precisava desse pedaço, menina, precisava desse pedaço para ser. Assim, tive que vir... Tive que vir para recuperar de mim aquilo que se perdeu. E agora que me encontrei, menina, volto para ela, como prometi que faria... E volto limpo, novo, renascido.
- Por que volta para ela, pássaro?
- Ora, menina, volto porque a amo!
- Se a ama, por que partiu?
- Menina, menina, mas já não lhe expliquei? Olhe aqui: Preciso de mim para existir, mas preciso dela para viver. Entende a diferença, menina? Sem ela, sou pedaço vazio, casca oca, metade dolorida. Sem mim, sou um turbilhão de sentimentos sem morada, sou alma perdida, sou poesia e sentimento desperdiçados. Entende?
- Acho que entendo, pássaro, acho mesmo que sim...
- O que foi, menina?
- Nada, nada. Lembrei de alguém... Alguém que deixei longe, onde a brisa é mansa e o ar cheira a esperança.
- E você vai voltar para ela, menina, quando seu tempo chegar?
- Vou, pássaro. Vou porque a amo. Vou porque sem ela eu sou metade dolorida.
- Pássaro não, menina: Beija-flor. Vê? Sem minha flor, nem nome tenho. E qual o seu nome, menina?
- Muda a cada dia, Beija-flor. Hoje eu queria que fosse Chuva, para viajar pelos céus e escorrer pelo rosto dela até alcançar os lábios doces.
- Então, para mim você é Chuva. Chuva de fim de tarde, repleta de amor... Mas que poema você é, hein, menina?
- É culpa dela, Beija-flor... Mas vai, vai ver a sua amada que está na sua hora, deixa eu me perder nessas páginas empoeiradas e no passar arrastado dos ponteiros do relógio. Vai ser feliz, Beija-flor.
- Vou. Mas não se preocupa, menina-chuva... Mando um beijo pra sua flor enquanto ainda não é sua hora de batucar a janela dela. Vamos ser felizes que, de perto ou de longe, o essencial é amar.


"E, assim, no teu gosto eu fui chuva
Jeito bom de se deixar viver

Nada do que fui me veste agora
Sou toda gota, que escorre livre pelo rosto
E só sossega quando encontra tua boca

E, mesmo que eu te me perca,
Nunca mais serei aquela que se fez seca
Vendo a vida passar pela janela"

(Quando fui chuva - Maria Gadú)