sábado, 25 de fevereiro de 2012

"Alma gêmea" define.

"Por que você fica me encarando desse jeito?", ela perguntou, desviando o olhar do meu, as orelhas já vermelhas. Eu não expliquei, mas aqui vai a verdade: Queria decorar cada detalhe das feições dela, ao ponto de poder desenhá-la com palavras e colori-la com versos sem precisar abrir os olhos. Queria conhecer o sinal perto de sua orelha direita, aquele pouco abaixo de seu olho direito, cada uma de suas sardas. Queria conhecer a curvatura de suas sobrancelhas tão bem quanto conheço a curvinha de seu queixo. Queria lembrar com perfeição da cicatriz em seu pescoço, conhecer a cor dos seus lábios tão bem quanto conheço o gosto deles. Queria saber se seus olhos são castanho-chocolate ou castanho-caramelo, onde eles se franzem quando ela sorri, como ela morde os lábios enquanto pensa. Agora entendo o quão injusto foi o desafio que me fiz - é impossível que qualquer palavra, seja em prosa ou em verso, trace tamanha beleza. É impossível encontrar metáfora que se iguale à intensidade de seu olhar e à doçura de seu sorriso, ao perfume único que impregna a esquina de seu pescoço, à maneira como meu estômago dá piruetas e minha mente se nubla quando ela me beija. É impossível mapear a firmeza que minha mão só ganha em sua cintura, o arrepio que percorre a minha espinha quando ela suspira em minha respiração, o dourado que seus olhos ganham quando ela me sorri depois do beijo. É impossível definir, descrever ou tentar explicar a minha menina, minha flor lilás. Ela é, como ela mesma um dia disse, "um quebra-cabeça de quinze mil peças" que eu fico tentando montar porque me encantei pelas cores e me apaixono cada vez mais pela figura. E todos os dias ela me prova que vale a pena o esforço - que mais ninguém seria capaz de me fazer tão feliz, tão boba, tão apaixonada. Que mais ninguém compartilharia meu sonhos de ter gêmeos, adotar uma Sofia, passar a lua-de-mel em Veneza e abrir uma livraria-floricultura na velhice.


"I can't see me loving nobody but you
For all my life
When you're with me, baby, the skies will be blue
For all my life..."

(Happy Together - The Beatles)

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Morte aos deuses da chuva!

(Pauta para o Bloinquês)


Ela não queria entrar no café. Saíra de casa tarde demais, na inútil esperança de que, se corresse, talvez conseguisse pegar o ônibus das 13:25. E talvez esse ônibus a deixasse na rua dele cedo o suficiente para que os  seus pezinhos apressados vencessem a distância até o prédio antigo e baixo rapidamente... Tão rapidamente que ele sequer notaria os poucos minutos de atraso. Ela sabia que ele não tolerava atrasos. E sabia que, exatamente por esse motivo, seu plano nunca poderia funcionar. O azar lhe perseguia desde a infância. "E que morram os deuses que fizeram chover", ela resmungava sem parar.

Ainda assim, a chuva lhe pegara de surpresa e ela não tivera escolha exceto abrigar-se no primeiro café que lhe apareceu. O ambiente era aconchegante, apesar de estar quase vazio àquela hora do dia. Música ambiente lhe acariciava os ouvidos e o aroma forte de café fresco lhe implorava para sentar por alguns minutos e pedir uma xícara. Ela desviou o olhar para a rua lá fora, para as gotas finas da garoa... Não saberia dizer quando tomou sua decisão, mas pegou-se sentada em uma mesinha próxima a uma das grandes portas do café. Sorriu para si mesma - quando fora a última vez que fizera algo tão espontâneo? Não podia lhe fazer mal.

A garçonete que se aproximou era jovem e sorridente, parecendo flutuar alguns centímetros sobre o chão tamanha era a sua alegria. Ela parou ao lado da mesa e estendeu-lhe um menu, sem pronunciar uma palavra sequer. A outra rejeitou o menu com um aceno curto da mão - econômica como sempre.

"Um café preto, por favor", foi sua ordem, seguida por um sorriso breve.

A garçonete acenou vezes demais com a cabeça antes de se afastar em direção ao balcão. A jovem olhou novamente para o lado de fora, analisando com olhos minuciosos a cidade cinzenta. Poucas pessoas se atreviam a desafiar a garoa, como se uma súbita crença houvesse se espalhado pelos becos da cidade de que isso apenas aumentaria a fúria dos deuses. Ela suspirou, correndo os dedos pelos cabelos curtos e ruivos. "Danem-se os deuses", pensou, revirando os olhos. "Pelo visto, tudo o que essa maldita entidade superior quer é a minha infelicidade. Ele não vai me perdoar de novo".

Sua linha de pensamento foi interrompida pela xícara fumegante que foi depositada em sua frente. Ela ergueu o olhar para conceder à garçonete um novo sorriso duro em forma de agradecimento, mas foi desarmada pelas lágrimas em seus olhos castanhos e pelo riso puro em seus lábios rosados.

"Ela me disse que você viria", a garçonete anunciou, como se fosse óbvio. A jovem franziu a testa em incompreensão e a garçonete fungou, enxugando uma lágrima na manga da camisa e tomando a liberdade de puxar uma cadeira para si. "A cigana. Eu perguntei se deveria lhe procurar, mas ela disse que não... Ela prometeu que você viria!".

A moça correu os olhos pelas feições delicadas do rosto da outra, tentando conter a repulsa pela palavra "cigana". Onde já havia visto aquele nariz de base reta e os olhos levemente puxados nos cantos? Onde já havia visto a sobrancelha direita que tinha a mania de ficar alguns milímetros mais alta que a esquerda quando ela sorria? Foi com um choque que percebeu: No espelho. Todas aquelas características eram suas, traços de seu próprio rosto. Foi já sabendo a resposta que ela abriu a boca seca para perguntar:

"Quem é você?"

E não lhe surpreendeu quando a outra alargou o sorriso, tornando-o compreensivo e receptivo, e respondeu:

"Também é bom te ver, irmã".

Seu peito se preencheu e ela não saberia dizer ao certo de quê. Mas sabia que o encontro com ele estava esquecido - não era importante. A única coisa importante em sua vida naquele minuto era conhecê-la... Conhecer aquela menina que desaparecera vinte anos antes e que ela crescera acreditando estar morta. Conhecer a única no mundo que compartilhava a sua sobrancelha direita.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Boba que sou...

Você lembra daquela comédia romântica que você viu na televisão ontem à noite? Talvez tenha sido semana passada ou mês passado. Talvez tenha sido até mesmo só uma pequena prévia no cinema de mais um dos filmes que você provavelmente não vai assistir. Lembra? Lembra do casal principal? Aquelas duas pessoas (per)feitas uma para outra... O casal que todos já tinham formado em pensamento, exceto eles dois. O casal que nunca imaginaria que terminaria como um casal. Lembra  do modo como eles olham um para o outro? Em silêncio, entre sorrisos, entre palavras que sequer precisam ser ditas... Se olham em silêncio por um minuto inteiro, então ela ri, envergonhada, e pergunta: "O que foi?" e ele responde: "Estava só olhando para você". Lembra da maneira como ele fala besteiras impossíveis para fazê-la sorrir? No meio do momento de suspense do filme, quando estão deitados juntos na grama do parque falando sobre a infância, quando a família dele a deixa nervosa no meio de um jantar. Lembra de como ela ri dessas piadas sem graça e os olhos dela brilham? Lembra de como ele sorri, bobo, e segura a mão dela logo em seguida? Lembra? Você lembra de como eles deitam juntos à noite e discutem os planos para o casamento, sussurram palavras de amor na penumbra do quarto e pegam no sono com dedos entrelaçados exatamente no mesmo momento? Lembra de quando, por outro lado, eles ficam acordados a noite inteira entre crises de risos e piadas, conversas que não fazem sentido e beijos? Lembra? Você lembra de como nada parece capaz de afastá-los? Eles pulam todos os obstáculos para estarem juntos e, quando é alto demais para pularem, enlaçam os braços e dão a volta no que quer que seja. Lembra? Lembra de como eles fazem guerra de espuma na hora de lavar os pratos? Você lembra de como eles tem um beijo desajeitado? Como de vez em quando os dentes colidem duas vezes seguidas e eles encontram intimidade suficiente para rir, com carinho e sem constrangimento, e continuar de onde tinham parado? Lembra de como se pirraçam e fazem ciúmes um no outro, como usam apelidos bobos com naturalidade, como de vez em quando agem como doentes mentais só porque se amam demais para serem completamente sãos? Lembra de como ele paga o ingresso do cinema para ela, aparece com flores sem motivo, abre as portas para ela passar? Lembra de como ela reclama disso tudo, mas, no fundo, não queria que ele fosse diferente (e ele sabe disso)? Você lembra de como ela sempre odiou surpresas, detestou ser encarada por muito tempo e prometeu nunca amar ninguém novamente? Lembra de como ele jurou nunca perdoar algumas coisas, nunca apresentar a namorada à família, nunca se deixar apaixonar tão completamente? Lembra de como ele faz tudo o que ela mais odeia, ela é tudo o que ele não queria e não esperava e mesmo assim eles não conseguem deixar de se amar? Sabe como eles se acham perfeitos um para o outro exatamente por não serem o que esperavam encontrar no amor? Alguns dizem que esses casais são o "casal de contos de fadas" das adolescentes. Já ouvi até mesmo alguns amargos dizerem que essas histórias, esses casais tão perfeitamente imperfeitos, não passam de ilusões criadas para despedaçar corações e sonhos de garotinhas que cresceram acreditando no príncipe encantado. Já estive, confesso, no meio desses amargos. Hoje sou doce... Sou doce e cor-de-rosa. E tudo porque encontrei a minha princesa dos contos de fadas, a minha menina das comédias românticas, o meu amor da vida real. Ela é a menina com quem estou disposta a casar, com quem quero estar na hora de enfrentar o mundo, a quem não me importo de dar o último gole do chá de pêssego. Ela é a menina que me provou que contos de fadas, comédias românticas, ilusões ou como quer que queiram chamar, podem, sim, se tornar realidade... E que a realidade pode, sim, ser melhor que qualquer sonho. Nós somos aquele casal da comédia romântica. E eu nunca pensei que pudesse ter tanta sorte...


"Come what may
Come what may
I will love you
Until my dying day..."

(Come What May - Moulin Rouge)