quinta-feira, 8 de novembro de 2012

"E se amar, se amar até o fim!"

Acordei devagar, com o coração palpitando de leveza e calma, de ansiedade e tempestade, de paradoxo, de vontade de você. O relógio tiquetaqueava devagar e eu sabia que ainda era cedo pra te esperar. Rolei pra fora da cama, procurei me distrair. Escovei os dentes daquele jeito que só escova quem tem dentista em algumas horas, tomei banho cantando minhas músicas favoritas e todas elas me faziam pensar em você. Peguei a primeira roupa que encontrei jogada pelo chão do quarto, me arrastei até a cozinha para fazer o café. Lembrei que você ainda precisava provar do meu café, porque é a única coisa que sei fazer direito na cozinha e quero te impressionar pra ver se você não desiste de mim mesmo eu sendo assim, todo complicado e louco por você. Torrei pão, melequei a mesa, quase sujei minha roupa quase limpa. Lavei os pratos cantarolando sua banda favorita e pensando que é uma sorte que eu não me incomode de lavar a louça ou teríamos brigas diárias em um futuro ainda nublado pela incerteza do tempo. Voltei para o quarto e ainda era cedo demais. Tentei escolher um livro, mas todos os autores na minha estante têm seu nome nas entrelinhas. Liguei o computador, chequei a caixa de entrada, as redes sociais, li textos, ouvi Maglore e Cascadura e Ira! e Tiê... Os ponteiros do relógio insistindo em girar ao contrário e nem era meio-dia ainda! Olhei pela janela... Céu cinzento, dia de vento, tive vontade de te puxar pela mão pra dançar na chuva. Mesmo que eu não saiba dançar. Almocei sem fome nenhuma - só tinha fome da sua presença. Escovei os dentes ainda mais vigorosamente que da primeira vez. Calcei os tênis, enfiei o dinheiro e a identidade no bolso, saí de casa. Milésimos de segundos antes de a porta bater, percebi que esqueci a chave de casa na mesinha de cabeceira. Dei meia-volta pensando em você e em sua vizinha que tem a chave de sua casa porque você sempre se tranca do lado de fora. Que nem eu. Que problema que vamos ser juntos... Saí ainda adiantado, mas não dei bola. Só queria ter o que fazer, adiantar logo essa consulta, sofrer o que tivesse que sofrer pra poder te ligar e dizer que a tortura acabou e é hora de você me dar dengo. Andei pela rua assobiando e as pessoas me olhavam de esguelha. Fiz caretas para as crianças, abri as portas para as senhoras. Pude ouvir cada um deles pensando "Que rapaz esquisito! Não sabe que a felicidade já morreu há tempos? Não entende que o mundo capitalista de hoje em dia não tem espaço pra essa alegria boba e sem sentido? Quem ele pensa que é, sorrindo assim pro vento, fazendo gentilezas a torto e a direita? Vai terminar em um hospital psiquiátrico, isso sim!", mas não liguei. Incomodei sem me incomodar. Porque minha felicidade é toda culpa sua. Veja bem, na metade do caminho, começou a chover pesado e eu percebi que tinha esquecido o guarda-chuva, que ia chegar no consultório ensopado para passar no mínimo uma hora sentado no ar-condicionado enregelante da clínica, com os documentos empapados e programas chatos na TV baixa demais. E em vez de xingar, eu ri. Porque, no fundo da minha mente, podia me imaginar contando tudo isso pra você, fazendo drama, me encolhendo em seu colo com manha e pedindo pra você me cuidar porque sei que vou ficar gripado. Porque ter uma boa história pra te contar e despertar seu riso é mais importante. Porque ter você pra me fazer chamego é mais interessante. Porque o importante era o tiquetaquear do relógio, indicando que faltava menos tempo pra nosso encontro, nosso beijo-desajeitado-do-jeito-certo, o cheirinho de sabonete da base do seu pescoço, seus cachos que eu adoro mais que tudo nesse mundo, seu corpo feito pra encaixar em meu abraço. Foi por sua causa que eu sorri no meio da tempestade e improvisei um sapateado nas poças enquanto todos corriam pra se esconder. Foi por isso que eu desejei uma boa tarde à recepcionista antipática e até dei risada e tentei fazer piada enquanto a dentista arrancava minha alma com aqueles instrumentos de tortura. Foi por isso que eu prometi passar lá com mais frequência e quase me convenci a realmente fazê-lo. Não me atrevi a olhar o relógio, mas meu coração já batia desgovernado por saber que era quase hora. Parei na banca no caminho de casa e pedi ao senhor o mesmo de sempre - Trident de canela, por favor. Sentei na janela, masquei um chiclete, olhando as nuvens se mexerem e a chuva não cair mais e as crianças brincarem no playground do prédio da frente. Aí eu te liguei. E minhas mãos tremiam de ansiedade enquanto o telefone chamava três longas vezes. E falei que estava te esperando com meu ar-condicionado, minha cama macia, um filme bobo, café quentinho. Queria falar também que estava te esperando minha vida inteira, que tinha um-mundo-e-um-pouco-mais de amor pra te dar, que queria te sequestrar e te fazer de refém em minha cama até você concordar em ser minha esposa. Mas engoli tudo porque você não precisava saber o quanto sou louco por você, bobo por você, infinito por você. Você disse que tava saindo de casa, beijo-até-já e eu voei pela bagunça, jogando pra debaixo da cama rascunhos mal-feitos e meias sujas, levando pra cozinha todos os copos que sempre esqueço ao redor da cama. E agora você está aqui, deitada do meu lado, com os pés entrelaçados aos meus e fazendo meu ombro de travesseiro, rindo melodicamente enquanto te conto minhas desventuras durante as partes que a gente já decorou do filme que é mais nosso que de qualquer outra pessoa. E sei que vou amar pra sempre os ossinhos de seus pulsos, seu meio-sorriso-de-boca-fechada, seu tamanho de bolso, seu jeito de franzir o nariz quando ri, esse brilho que nem sei descrever que só seus olhos tem, sua falta de jeito feita pra combinar com minha tendência a desastres e formar uma bomba de amor catastrófico, sua mania de transformar tudo em arte e cantarolar aleatoriamente algumas palavras e mudar de assunto sem aviso prévio. E toda a espera do mundo vale a pena se for pra ter o seu sorriso colado ao meu no final do dia e dormir com seu gosto em minha boca.


"Deixa o moço bater
Que eu cansei da nossa fuga
Já não vejo motivo
Pra um amor de tantas rugas
Não ter o seu lugar..."

(Conversa de botas batidas - Los Hermanos)

domingo, 23 de setembro de 2012

Noite de domingo, sorriso no rosto...

Eu não sei você, mas eu acho que tem algo incrivelmente sexy em uma garota que não tem vergonha de ser ela mesma - uma garota que admite sem gaguejar que detesta frutas e adora a batata frita com cheddar e bacon do Burguer King, que gosta mais de filmes de zumbi que de romances clichês, que em geral não esconde a própria beleza atrás de maquiagem, que não tem medo de discordar de você, rir da sua cara e lamentar o seu "mau gosto". Mais que isso: Tem algo de encantador em uma garota que te xinga em vez de dizer que gosta de você, que não tem vergonha de te beijar em público, que ri das suas piadas sem graça e fala palavrão, que brinca de guerra de dedão em vez de simplesmente andar de mãos dadas com você, que tem um jeito especial de te olhar quando quer que você a beije, que não sabe dançar e não gostaria de receber flores, muito obrigada. Tem algo de único em uma garota que te intimida ao mesmo tempo em que te deixa à vontade pra falar sobre qualquer coisa, com quem você poderia passar horas conversando ou a quem você poderia beijar por uma tarde inteira, que você quer ao seu lado na madrugada de sábado e na manhã de domingo, que te faz sentir especial em uma manhã chata de segunda-feira. Tem algo de apaixonante em uma garota boba e bem-humorada que se irrita e perde a cabeça de vez em quando, em uma mulher que vez ou outra desce do salto pra brincar de ciranda... Em uma menina real, com defeitos e TPM e brigas com os pais, e que, ainda assim, faz seu coração afundar três centímetros a cada vez que te sorri e te faz acreditar, de alguma forma, que algumas pessoas simplesmente valem a pena.

(Você é bem essa pessoa, meu mô com cara-de-sol...)



"Ainda bem
Que você vive comigo
Porque senão
Como seria essa vida?
Sei lá, sei lá...
Se há dores, tudo fica mais fácil
Seu rosto silencia e faz parar
As flores que me mandam são fato
Do nosso cuidado e entrega
Meus beijos sem os seus não dariam
Os dias chegariam sem paixão
Meu corpo sem o seu, uma parte
Seria o acaso e não sorte

Neste mundo de tantos anos
Entre tantos outros
Que sorte a nossa, hein?
Entre tantas paixões
Esse encontro
Nós dois
Esse amor..."

(Ainda Bem - Vanessa da Mata)

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

"Deixa eu brincar de ser feliz, deixa eu pintar o meu nariz..."


Ela tem olhos pequenos, e dez vez em quando, sem motivo, os aperta como se estivesse olhando pro sol. Ela tem mania de mexer no cabelo (no dela e no meu) e de me morder toda vez que me beija... Às vezes de me morder sem motivo, só pra me ver ficar vermelha. Os traços do rosto dela lembram os de uma indiazinha, a risada dela faz cada músculo do meu corpo relaxar, a voz dela me faz pensar em ondas arrebentando em uma praia deserta. Ela detesta frutas... Eu adoro. Ela gosta de carne, eu sou apaixonada por brócolis. Ela toma Coca-Cola, eu bebo suco quase todos os dias. Ela vai sempre ao Burguer King enquanto eu, uma vez no mês, passo no Subway. Ela me pirraça e eu faço cócegas nela, ela ama o meu perfume e eu amo o cheiro dela. A gente vai ao cinema pra não assistir o filme. A mão dela é quente, a minha é gelada... E ela sempre reclama disso. Ela diz que ninguém gosta de mim, eu digo que sei que ela gosta. Ela nega e dá um risinho de lado... E eu sei que estou certa. Ela conta de mim pras amigas, eu conto dela pra minha família e, no fundo, nós duas sabemos que queremos que isso dure. Eu a acordo nos finais de semana às oito da manhã. Ela me chama pra ir ao cinema no meio da semana e eu cancelo todos os meus planos, porque não tem nada que eu queira mais que ficar com ela. O beijo dela tem gosto de infinito e parece nunca ser suficiente - sempre me faz querer mais um pouco e mais um pouco e eu poderia passar um dia inteiro com o sorriso colado no dela se ela deixasse. Ela gosta de comédia, eu gosto de drama. E sempre rio quando penso que ela come pipoca doce no cinema e quebrou a cafeteira de casa. Ela me ignora quando eu finjo que estou brava com ela, e eu sempre termino cedendo e deixando que ela me puxe pra mais perto pela corrente. Ela se faz de ofendida com o que eu digo, mas se deixa puxar de volta pela cintura pra dentro do meu abraço. Ela se preocupa, ela gosta de crianças pequenas, ela me deixa a vontade pra falar de qualquer coisa... Até do quanto eu gosto dela, do quanto qualquer lugar parece certo se ela estiver por perto. Ela é minha menina, minha namorada, meu mô. E eu sou o que ela quiser, mas sou só dela... E, sendo só dela, sou boba e feliz.

"Tão feliz que sou...
Só resta a mim cantar o amor"

(Aurora - Maria Gadú)

sábado, 1 de setembro de 2012

Bom dia, Setembro...


Setembro é um mês que me dá medo. Trinta dias de puro frio na barriga, de arrepios na espinha e pelos da nuca eriçados. Dizem por aí que Agosto é o "mês do desgosto", mas Agosto sempre me deixou com um gosto doce na boca - gosto de chocolate quente debaixo das cobertas em um dia de inverno. Gosto de surpresa. Setembro... Setembro é quando começa a chover. É quando as notícias ruins se aproximam devagarinho, em qualquer sombra que conseguem encontrar. É quando o sol se esconde por uns dias e deixa que o inverno se despeça em grande estilo antes que a primavera tome conta dos corações inquietos. Setembro é quando a vida me pega pelos tornozelos e me vira de ponta a cabeça, até que todos os trocados caiam do meu bolso e eu comece a me sentir enjoada. Setembro é o mês das agulhadas, da falta de ar, do estômago comprimido, da maquiagem borrada, das visitas indesejadas. Setembro sempre foi doloroso. Setembro me dá medo. Hoje acordei com um céu azulzinho batendo em minha porta e o seu gosto ainda na minha boca - gosto doce-doce, com um quê de cigarro bem lá no fundo - e quase não me lembrei que era o primeiro dia de Setembro. Hoje fiquei deitada na cama por cinco minutos a mais, lembrando seu beijo que me tirou o ar, lembrando o sorriso que você me deu com a ponta do nariz tocando o meu, lembrando seu olhar de mulher e sua voz que me faz pensar em ondas arrebentando em uma praia deserta. Hoje é primeiro de Setembro e eu só consigo pensar em você e sorrir feito brisa mansa. É o começo do mês que mais me dá medo, e eu só quero seus dedos entre os meus, seu cheiro na minha blusa e seu abraço quentinho e apertado pra espantar os calafrios. Hoje é oficialmente Setembro, o primeiro dos meus trinta dias de azar, e tudo em que eu consigo pensar é que quero te puxar pra dentro dos meus braços e te chamar baixinho, ao pé do seu ouvido, de "meu mô".

Talvez esse Setembro seja bonito... Se você estiver comigo pra me dar sorte.
Meu mô.

"Yeah, it's always better when we're together
Yeah, we'll look at the stars when we're together..."

(Better Together - Jack Johnson)

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Para a menina que foi embora.


Odeio admitir, mas eu sinto falta de você. Sinto falta da sua voz docinha feito casadinho, que tagarela sobre tudo exceto as coisas que realmente fazem casa em seu coração. Sinto falta da maneira como você troca a ordem das palavras quando está nervosa, como cobre o sorriso tão lindo com as mãos e fica com as bochechas avermelhadas feito uma criancinha quando ri. Eu sinto falta da sua agitação sem propósito, como uma borboleta em um jardim que fica voando de flor em flor pelo mero prazer de bater as asinhas coloridas, como se você fosse incapaz de se manter quieta por mais de um momento de cada vez... E também sinto falta do quão observadora você é, de como você consegue ver até mesmo os suspiros que eu tento conter, da sua mania infinita de ver arte em cada detalhezinho do mundo, por mais sem graça que seja. Sinto falta dessa sua maneira única de fazer uma observação completamente fora do assunto discutido e depois voltar à conversa como se nada tivesse acontecido, desse seu sexto sentido que capta o essencial mesmo quando esse não é dito. Sinto falta do seu corpo pequenino e gracioso, leve feito corpo de passarinho, que cabe tão bem no me abraço, que esquenta minhas mãos e meus pés tão frios. Sinto falta dos seus livros de Caio Fernando, Clarice Lispector e Fernando Sabino, sua poesia de Vinicius de Moraes, Mário Quintana e Charles Baudelaire, seu encanto por filmes em preto e branco e músicas das décadas de 60 e 80. Sinto falta das suas camisas de super-heróis, de seus All Star, de suas meias e brincos diferentes entre si, daquele cacho teimoso que cai sobre seus olhos a cada poucos minutos e que você assopra pra longe com um revirar de olhos encantador. Sinto falta de me perder em seus olhos castanhos e ininteligíveis, de sua tentativa vã de ficar brava comigo, de te ver dormindo na minha cama, como um anjinho ladrão de travesseiros. Odeio admitir, mas sinto falta de cada detalhezinho de você, de cada tom que sua presença dava à minha vida. Odeio admitir, mas sinto sua falta como se me faltasse... Amor.

"O meu desafio é andar sozinho
Esperar no tempo os nossos destinos
Não olhar pra trás, esperar na paz o que me trás
A ausência do seu olhar

Traz nas asas um novo dia
Me ensina a caminhar
Mesmo eu sendo menino, aprendi

Oh, meu Deus, me traz de volta essa menina
Porque tudo que eu tenho é seu amor
João-de-Barro, eu te entendo agora
Por favor, me ensine como guardar o meu amor..."

(João de Barro - Leandro Léo)

sábado, 11 de agosto de 2012

Desabafo.

Tem dias que são insuportáveis.
Eu sei que vou sobreviver. Sei que é só tristeza, que não vou morrer por isso, que é só gritar no travesseiro pra ninguém mais escutar. Sei que é só solidão, só saudade. Sei que é só um passado presente demais, uma lembrança tão vívida que chega a ser dolorosa, um gosto de ferrugem que invade a boca quando aquelas músicas tocam por acaso. Sei que uma hora a dor, de tanto doer, vai ficar gasta e fraquinha e eu vou poder deixar ela pra lá. Sei que vai passar, que eu vou sobreviver, que o melhor a fazer é sair pra passear sem rumo e tomar comprimidos antes de dormir. Sei que amanhã vai estar melhor.
Mas tem dias que são absolutamente insuportáveis.



"Mas, já depois de tanta solidão,
Do fundo do meu coração,
Não volte nunca mais pra mim"

(Do fundo do meu coração - Roberto Carlos)

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

"E quem irá dizer que não existe razão?"

Ela tinha vinte, ele tinha dezoito. Ela estava no sexto semestre da faculdade, ele ainda estava a dois meses do vestibular. Ela falava das estrelas, ele se encantava pelos olhos dela. Ela, Mônica; ele, Eduardo. Se conheceram em uma festa qualquer, já depois do quinto copo. Trocaram telefones quando ele precisou procurar sua carona para casa - ela mandou a primeira mensagem. Ele deu o primeiro passo no dia seguinte. E, de repente, se viram passando os dias a espera das mensagens um do outro. Ele, no colégio; ela, no estágio. Ele, na aula de teatro; ela, no ônibus. Ela gostava de chocolate ao leite, ele gostava de meio-amargo. Ele amava café, ela adorava chocolate quente. Ele era apaixonado por A Vida é Bela; ela, por Amelie Poulain. Ele arranhava no violão, ela desenhava como ninguém. Ela conhecia todos os pintores famosos, ele se interessava pelos escritores nacionais. Ela falava francês, ele arranhava no italiano. Ela sabia de todas as festas, ele só conhecia o que o acaso lhe mostrava. E, ainda assim, ambos eram apaixonados por Woody Allen e Almodóvar. Os dois discutiam Bukowski, Kerouac, Wilde e Hemingway, debatiam as ideias de Bauman e as sensações provocadas por A Pele Que Habito. Quando as mãos se encontravam, pediam por eternidade - a pele dele, tão fria, contra a dela, tão quente. Quando os lábios se tocavam, o externo desaparecia por alguns segundos - e ela sequer sabia que ele comparava seu beijo ao tipo mais delicioso e inebriante de vinho, por ser lento e intenso, doce na medida, deixar na boca o gosto fresco de "quero só mais um pouco por todo o resto do tempo". Ouviam Cazuza e O Teatro Mágico e trocavam mensagens com trechos das músicas. Emprestavam livros e, pouco a pouco, pedaços de si. Ele era apaixonado pela voz dela; ela, pela textura dos cabelos dele. Ela amava como os olhos dele eram amendoados; ele, como o tom de verde das íris dela era puxado para o castanho. Ela o ensinava a dançar, ele tocava algumas bobagens no violão para ela. Ele, Eduardo; Ela, Mônica. Por um acaso qualquer, se esbarraram... Por um acaso qualquer, se apaixonaram. E do resto o tempo cuida, e o resto a vida leva... Do futuro ninguém sabe. Eles só pedem que seja doce...


"Eduardo e Mônica eram nada parecidos
Ela era de leão e ele tinha dezesseis
Ela fazia medicina e falava alemão
E ele ainda nas aulinhas de inglês
Ela gostava do Bandeira e do Bauhaus
Van Gogh e dos Mutantes, de Caetano e de Rimbaud
E o Eduardo gostava de novela e jogava futebol de botão com seu avô
Ela falava coisas sobre o Planalto Central, também magia e meditação
E o Eduardo ainda tava no esquema escola, cinema, clube e televisão
E mesmo com tudo diferente veio um medo de repente, uma vontade de se ver
E os dois se encontravam todo dia e a vontade crescia como tinha de ser..."

(Eduardo e Mônica - Legião Urbana)

terça-feira, 24 de julho de 2012

Reflexões de um sorriso.

Você já pensou em quantos pedidos são feitos durante uma chuva de meteoros? Um para cada estrela cadente, multiplicado por todos os pares de olhos brilhantes, como se fossem novamente pertencentes a crianças em manhã de Natal. Se cada coração pedisse por amor - assim, simples e puro: amor - a só uma dessas tantas estrelas, essa vida seria mais bonita que qualquer verso escrito em pétala de rosa. Pelo menos eu acredito nisso. E quem há de me contestar, se isso nunca foi testado? Que cada criança (aquele órgão que todo adulto tem e tão frequentemente esquece de usar), ao ver uma borboleta passar voando, sorria e peça amor. Simples e puro assim: amor. Em letras minúsculas de sussurro que é pra não acordar os monstros. Se não funcionar, se uma tempestade de amor não inundar cada existência seca, aceito ser julgada e condenada à pena de vida - porque não há coisa pior que uma vida sem amor.



"Sonho que se sonha só
É só um sonho que se sonha só
Mas sonho que se sonha junto é realidade"

(Prelúdio - Raul Seixas)

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Contos para tirar da boca o amargo.

Seus braços de pássaro me envolvem, suas pernas de bailarina-cigana-errante me roubam os quadris e seu riso de cigarro, cerveja e piadas baratas me convida a dançar - sincronia imperfeita de lábios perfeitamente estranhos aos hábitos uns dos outros. Garoa fina lavando da pele o cheiro de segredo mal-guardado e música distante abafando os suspiros de dedos dormentes que exploram as asas de suas costas, onde, um dia, já nasceram suas asas de pássaro, meu anjo caído. Balé desajeitado de tudo que se perde aos poucos - a vergonha, o medo, as máscaras, as roupas amarrotadas. Como faríamos com uma peça pequena demais para vestir, de olhos fechados nos desfazemos do mundo e ganhamos as alturas - de nuvens a estrelas, de riso a infinito, de olhares que se tocam a corpos que se pedem e almas que se prendem. Poesia em construção somos nós, rimando os espaços entre os dedos, preenchendo os espaços entre os abraços, abusando da liberdade poética para esquecer pontuações e espaços. Viramos vocêeeu, junto assim, confuso assim, misturado assim ao ponto de ser simples, como uma conta de dividir que termina dando inteiros aos que antes eram frações e decimais. Suas palavras se perdem no oco da minha boca, as minhas se enroscam em sua língua e nós damos um nó. Sou beija-flor roubando suas asas, você é flor ganhando meu sofrível vôo. Voamos juntas e não caímos - quem precisa ser anjo quando se pode ser umemdois? Não deixo espaços para que seu gosto não me escape e, embriagada, você dorme em meu mundo, desvenda meu mistério, sequestra meu batimento irregular. E eu me deixo levar no seu pé-de-vento, bailarina-brisa-de-outono...


"Toda vez que eu errava você dizia
Pra eu me soltar porque você me conduzia
Mesmo sem jeito, eu fui topando essa parada
E no final achei tranquilo

Só sei dançar com você..."

(Só sei dançar com você - Tulipa Ruiz)

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Com todo o meu carinho.

Um ano atrás, quando você me encontrou naquela encruzilhada do destino, éramos poeira cósmica sem rumo e sem lar. Éramos dor, pedaços soltos e lembranças vazias. Éramos nada. Em mim, o caos era mais completo que em um mundo pós-apocalíptico e o meu coração, mais sem vida que o universo pré-Big Bang. Eu havia matado todos os meus sonhos - assassinado, um por um, cada desejo, até não sobrar nada além de desesperança, apatia e desprezo. Eu não tinha força suficiente nem para sentir raiva. Não tinha energia para levantar, errar, aprender, acreditar, recomeçar. Eu não queria a morte - queria mais, queria um estado de coma eterno, em que pudesse ter paz. E foi você que me reconstruiu. Palavra por palavra, sorriso por sorriso, você foi me ajudando a catar os frangalhos de minha vida e colocá-los no lugar. Minha confiança, pouco a pouco, se reergueu. E eu? Eu fui renascendo das cinzas, célula por célula. Eu poderia dizer que você me transformou em fênix, mas a verdade é outra - você me fez humana. Você foi a fênix que chorou em mim suas lágrimas até que cada ferida se tornasse cicatriz e cada gota de veneno secasse de meu sangue. Cada flor foi verdade, cada beijo, cada noite, cada tarde, cada gota de suor ou de lágrima, cada pouco de ternura, cada minuto de saudade. Eu fui verdade, você foi verdade, nós fomos mais - fomos infinitas do início ao fim, eternas enquanto durou. Eu me entreguei a você como uma criancinha se joga nos braços da mãe - pedindo colo, proteção e um beijo na testa febril. E você me deu todas as estrelas do céu. Obrigada. Eu abracei seus sonhos como se fossem meus e fiz deles o pulsar que faltava em meu coração. Durante meses sem fim, durante as noites mais longas, durante os olhares mais profundos, foram eles que mantiveram uma pulsação estável em meu peito oco.  Foi você quem plantou a semente em meu peito, quem a regou todos os dias com as gotas mais puras de amor, quem a protegeu de cada ameaça. E a semente virou broto, que se fez planta crescida e de onde, hoje, brotam botões de cravos cor-de-rosa. Em seus braços, virei menina-moça, e hoje me desvencilho de seu abraço preparada para ser mulher. Não chore. Não lamente. Não se culpe e, se possível, não me culpe. Quis ser sua por toda a minha vida, mas você fez comigo a coisa mais bonita que um ser humano pode fazer a outro - você me deu a mim mesma, me fez ser minha em primeiríssimo lugar. E a desesperança que se agarrava a meus tornozelos deu lugar a sonhos - sonhos meus, que podem até não ser os mais bonitos, mas nasceram desse coração novo que nasceu em mim. Lembra daquele fantasma que vivia acorrentado ao meu pulso, lembrando-me constantemente que eu não era boa o suficiente para ninguém? Você o mandou embora, com toda essa sua luz. E eu entendi que sou humana, que meus erros não me definem, que estou em construção - para mim, não para o mundo. Sei que talvez isso não te interesse mais, mas voltei a comer. Também joguei fora a lâmina que fez tantos rasgos em minha pele. Decidi fazer o piercing que sempre quis, aprendi a não depender de ninguém além de mim mesma, entrei em trégua com meus pais e comigo mesma. Não tenho mais medo de pessoas, não sorrio para agradar ninguém, não falo só para preencher silêncios - silêncios existem por um motivo e, em geral, dizem mais que qualquer palavra. Não sei aonde quero ir, não sei com quem quero estar - mas descobri um estado de paz tão absoluto que não preciso saber de nada... Só que estou indo em frente. Devo mais a você do que qualquer palavra poderia expressar - obrigada. E espero que um dia me perdoe por não poder ficar. Espero que um dia leia essa carta e sorria, sabendo que transformou a existência de alguém em vida e que esse meu "adeus" é necessário simplesmente porque estou de mudança - o apartamentozinho em que costumava guardar os cacos da minha alma ficou pequeno demais para a felicidade que preencheu cada buraco. Obrigada. Obrigada. Obrigada. Obrigada por me recomeçar. (Deixo o fim dessas linhas ser um curto silêncio, porque ultimamente as palavras tem se tornado vagas demais para expressar...)



"Desejo que você tenha a quem amar
E, quando estiver bem cansado,
Ainda exista amor pra recomeçar..."

(Frejat)

sexta-feira, 6 de abril de 2012

O que se perde enquanto os olhos piscam...


Pauta para o Bloinquês.

Acordo. Que dia é hoje? Em que mês estamos? E por que minha cabeça lateja tanto? Suspiro. Provavelmente, mais uma noite de bebedeira. Mais uma saída longa demais com amigos irresponsáveis demais. Mais um dia qualquer em uma vida vazia. Levanto devagar, as paredes rodando ao meu redor. Meus braços doem. Minhas costas estalam. As engrenagens de meu cérebro rangem ao funcionar, parecendo estar a beira de um colapso. Espreguiço... Provavelmente dormi de mau jeito. Ninguém ao meu lado entre os cobertores amarrotados da cama de casal. Sorrio, agradecido. Ao menos não preciso me preocupar em enxotar estranhos indesejados da minha casa e da minha vida. Meus joelhos reclamam de meu peso, mesmo que meus pulsos pareçam anormalmente finos. Bambeio. Com o apoio de uma parede, me ponho a caminhar. A casa está silenciosa como apenas às - confiro o relógio - seis e meia da manhã poderia estar. Ao alcançar a cozinha, percebo que minha vista está turva e nublada. Por quê? Não sei dizer. Algum canto vago e obscuro de minha mente me repreende por não ter pego os óculos ao levantar da cama, mas afasto logo o pensamento do meu consciente. Nunca usei óculos. Devo estar apenas cansado.

Paro no meio do ambiente - iluminado demais para o meu gosto - e me pergunto em qual dos muitos armários estão as canecas. Encontro uma estacionada sobre a pia e decido usá-la. Provavelmente esqueci de guardá-la ao chegar da festa na noite anterior. Este é mais um dos tantos positivos de morar só - ninguém reclama quando esqueço de colocar as coisas no lugar. O café ainda está quente na garrafa térmica. Franzo o cenho, tentando lembrar de quando o fiz. Nada me ocorre. De fato, percebo, enquanto despejo o café na xícara, não tenho qualquer lembrança da noite anterior. Sorrio com o canto da boca. Vodka - a explicação mais simples. Fecho os olhos e inalo o aroma inigualável de café fresco. Levo a xícara aos lábios e o provo assim mesmo, preto. Ao engolir, um novo estranhamento: Desde quando adquiri o gosto por café preto? O gole que tomei foi instintivo, como que por hábito, como se o fizesse todos os dias, mas o fato é que nunca gostei de coisas amargas. Ao abrir os olhos, encontro um par de íris azuis a me fitar atentamente. A xícara cai. O café se espalha pelas pedras brancas do piso. Meu peito arde.

"Não se assuste, por favor", a voz da senhora é suave, como se tentasse acalmar um animal acuado. É exatamente assim que me sinto. "Você lembra de mim?"

Sacudo a cabeça, tentando encontrar a minha voz e os movimentos das minhas pernas. Sinto uma gota de café se alojar no peito nu do meu pé e queimar a minha pele. Ainda assim, não consigo me mover. A senhora sorri, rugas de riso se formando nos cantos de seus olhos. Ela estende uma mão para mim, mas para ao notar o pânico em meus olhos. Sua expressão se entristece.

"Meu nome é Rita", ela anuncia, um tom de emoção na voz. "Somos casados há vinte e cinco anos".

Por um momento, a afirmação me parece absurda. Afasto os lábios para soltar uma gargalhada incrédula, mas o som se agarra com firmeza às paredes da minha garganta e eu engasgo. De repente, percebo as rugas que curvam a pele das minhas mãos. As pontas dos meus dedos tocam o topo da minha cabeça e encontram tufos ralos de cabelo e uma superfície lisa, fria. Engulo em seco. E, como um fragmentos de um quebra-cabeça, imagens soltas se esgueiram para fora do baú do esquecimento: Uma moça bonita, de cabelos negros e olhos azuis, vestida de branco, entrando na Igreja; uma casa de paredes amarelas e gerânios no jardim; um garotinho de cabelos louros tão parecidos com os meus jogando bola na sala; uma caneca atirada ao chão, com raiva; Bernardo - quem é Bernardo? As cenas se amontoam, sem fazer qualquer sentido. Imagens de uma vida passada, talvez. Sinto as lágrimas escorrerem pelas minhas bochechas e a senhora - Rita, minha esposa - se aproxima com passos hesitantes, passando os braços pelos meus ombros.

"Como?", pergunto, com a voz rouca e as mãos trêmulas. Ela afaga minha nuca e me beija o queixo.

"Alzheimer", ela sussurra, e eu sinto suas lágrimas na gola de minha camisa. Uma cerca pintada de branco; um relógio quebrado na parede da sala. Onde foi toda a minha vida?

"Foi embora", eu choramingo, feito menino que acaba de perder o cãozinho.

"O quê?", ela pergunta, afastando-se apenas o suficiente para me olhar. Sinto segurança em seus olhos, mas ela não passa de uma mera desconhecida. Dói.

"Minha vida", respondo, tão baixo que quase não posso me escutar. "Foi embora, mas eu nunca disse adeus".

Ela entrelaça os dedos aos meus. Eu resisto ao impulso de me afastar. Meu corpo treme. Ela sorri novamente, fracamente, docemente.

"Podemos fazer uma vida nova hoje", ela propõe. E eu, no auge do meu medo, concordo com a cabeça. Ela espera. Só uma pergunta me ocorre:

"Onde ficam as xícaras?"

quinta-feira, 5 de abril de 2012

De joelhos no chão.

Pai, eu sei que não tenho sido das suas filhas mais fiéis, sei que minhas orações são inconstantes e frequentemente interrompidas por um sonho que me carregue em suas asas, sei que preciso aprender a agradecer mais. Sei, Pai, que não posso correr para seus braços só quando o vento derruba a minha casinha de cobertor. Mas hoje... Ah, Pai, hoje o vento me desabrigou e a chuva-com-gosto-de-lágrimas está a ponto de me afogar. Hoje estou aqui para te implorar, com toda a minha humildade de criança, que proteja a minha menina, Pai... Eu queria cuidar dela, mas meus braços são frágeis demais para protegê-la dos monstros que a estão destruindo. Cuida dela por mim, Pai. Deita ela em teus ombros e a embala até ela pegar no sono. Ela tem medo de trovão, Pai, e eu só posso oferecer a ela uma casinha de cobertor que não resiste à chuva. Então cuida dela por mim. Desvia os raios do céu dela, pontilha os sonhos dela de estrelas. Planta uma flor lilás no parapeito de sua janela que é pra o sorriso dela brotar todas as manhãs. Passa na casa dela hoje, Pai... Beija a testa dela e canta até o sol raiar e afastar os monstros. Protege a minha menina, Pai, que ela é frágil e precisa de uma muralha que a guarde desse vendaval. E eu sou tão fraca e pequena que sem ela eu quebro. (Eu também tenho medo de trovão). Mesmo que eu não tenha direito a pedido algum, mesmo que minha fé não seja suficiente, mesmo que minha mudança esteja sendo lenta e doída, apesar de todos os pesares e apesares... Eu te imploro, de joelhos no chão: Cuida da minha menina? Por favor, Pai. Por favor. Por favor.

Amém.



"Does anybody hear her?
Can anybody see?
Or does anybody even know she's going down today
Under the shadow of our steeple
With all the lost and lonely people
Searching for the hope that's tucked away in you and me
Does anybody hear her?
Can anybody see?"

(Does anybody hear her - Casting Crowns)

domingo, 1 de abril de 2012

"Apenas mais uma de amor."

Eu vou ser professor de história, ela vai ser designer ou psicóloga e a matemática disso tudo é desimportante. No fim do mês a gente descobre o que faz. A gente vai viajar o mundo - primeiro em sonhos e palavras, depois com as economias e os desejos de uma vida. Temos todo o tempo do mundo. E, mais importante: Sem planos, porque planos são cansativos e eu detesto regras e limites. Um dia vou perguntar: "Vamos nos perder em Paris?" e ela vai responder que me espera no carro. Vamos mudar alguma coisa - uma cidadezinha do interior, um bairro cinza de uma cidade sem graça, um vaso de plantas do hotel. Tanto faz. Deixaremos nossa marca e, por mais imperceptível que ela seja, o importante é que nós dois sorriremos toda vez que a virmos. E vamos ser sempre assim... Bobos. Sinceros. Entregues. Eu vou olhar para ela de rabo de olho e ela vai desviar o rosto com as orelhas vermelhas. E vamos discutir de quem é a sorte. Vamos pra a livraria ler as primeiras páginas de dez livros diferentes, ela por cima de meu ombro, eu lhe beijando o pescoço para tirar sua concentração. E vou sempre lembrar a ela que ela é intensa, inexplicável e é exatamente isso que eu mais amo nela. Vamos tomar café no meio da tarde porque deu vontade e escrever contos sentadas na calçada. E vou sussurrar poesia ao pé do seu ouvido para que ela durma em paz e sonhe comigo... Eu sou dela. Inteiramente dela. Eternamente dela. Já sou casado - casamos no primeiro beijo. E nem a morte vai nos divorciar ou separar.



"Eu quero a sorte de um amor tranqüilo
Com sabor de fruta mordida
Nós, na batida, no embalo da rede
Matando a sede na saliva

Ser teu pão, ser tua comida
Todo amor que houver nessa vida
E algum trocado pra dar garantia

E ser artista no nosso convívio
Pelo inferno e céu de todo dia
Pra poesia que a gente não vive
Transformar o tédio em melodia...

Ser teu pão, ser tua comida
Todo amor que houver nessa vida
E algum veneno
anti-monotonia..."

(Todo Amor Que Houver Nessa Vida - Cazuza)

Impasse.

- Eu te amo.
- Eu também. Mais que tudo.
- Eu não quero que isso desate o "nós".
- Nem eu. Mas eu não sei... Eu sinceramente não sei...
- Eu não quero te perder. Mas eu não posso desistir disso por você.
- É um risco que você vai ter que decidir se vale a pena correr.

Algumas decisões são como pular do abismo ou puxar o gatilho.
Estou pulando do abismo.
E que Deus me dê asas... (Amém).


"I hope you know
I hope you know
That this has nothing to do with you
It's personal
Myself and I
We've got some straightening out to do
And I'm gonna miss you like a child misses her blanket
But I've gotta get a move on with my life
It's time to be a big girl now
And big girls don't cry..."

(Big Girls Don't Cry - Fergie)

sexta-feira, 16 de março de 2012

Palavras de amor

Existe paz. Foi essa a descoberta que fiz em seus braços. E mais: Existe, também, o paradoxo, como a paz que só surge quando todo o meu ser está atormentado por arrepios e arritmias, por mãos que tremem e um nervosismo que fecha a garganta e nubla a mente - existe paz na sua presença... E somente na sua presença. Foi com a cabeça em seu colo e seus dedos afundados em meus cabelos, deixando as batidas do seu coração ditarem o ritmo da minha respiração, que fui inteiro pela primeira vez em todos os meus anos de vida. Foi quando minha fragilidade de menino estava mais claramente exposta que, enfim, me vi forte, me vi homem. Me vi seu. Sua existência em minha vida me transformou de tufão em brisa de primavera - não preciso ter razão se tenho você, não consigo perder a paciência com o mundo quando olho para o lado, me deparo com seu rosto e perco a fala e o sentido. Foi me dispondo a te carregar em meus ombros que me tornei leve. Foi abrindo meus braços, meus olhos e minha alma para que você pudesse conhecer cada um dos meus vícios e fraquezas que me senti um herói sob o seu olhar. Existe beleza, foi o que você me mostrou ao nascer em mim. Não é preciso deixar de acreditar em magia para ser adulto - não é preciso amargura, não é preciso desistir dos sonhos. Então, eu continuo a flutuar, tentando a doçura de tempos em tempos em meio a esse meu gosto por café preto. E eu aprendi, nos reflexos cor-de-ouro dos seus olhos, a dançar no ritmo do menino-homem que sou e quero ser. Não há momento em que eu seja mais "eu" que quando estou com você.

Existe você, foi essa a grande descoberta que fez nascer em mim um cravo cor-de-rosa, uma coragem cor-de-esperança e uma fé cor-de-amor que eu não sabia poderem existir. Talvez só possam porque existe você. Só posso porque existe você. Eu e você.

(À minha Carolina)


"If Heaven and Hell decide
That they both are satisfied
Illuminate the 'no's' on their vacancy signs
If there's no one beside you
When your soul embarks
Then I'll follow you into the dark..."

(I'll follow you into the dark - Death Cab For Cutie)

sábado, 10 de março de 2012

Ao mestre, com carinho...

- Mãe... Quero fazer faculdade de Letras.
- Letras?
- É, Letras.
- Mas quem faz Letras não vira... Professor?
- É.
- Tem certeza disso?
- Tenho, mãe.
- Quando tomou essa decisão?
- Já vinha pensando há um tempo...
- Mas você já analisou as outras opções?
- Já, mãe.
- Publicidade? Design? Comunicação?
- Letras.
- Mas... Você vai ser professor.
- Eu sei.
- Quem foi que enfiou isso na sua cabeça?
- Ninguém, fui eu que tomei minha decisão!
- Foi algum dos seus professores, não foi?
- Não...
- O que eles tem te falado? Porque é mentira!
- Mãe...
- Professor não ganha bem, professor não pode...
- Mas eu quero ser professor! Eu amo ensinar, eu amo a palavra, eu quero fazer Letras! Por que não posso fazer o que amo?
- É claro que pode, filho...
- Finalmente!
- Mas você tem certeza que já considerou Ciência da Computação? Direito? Artes Cênicas?

Agora eu pergunto: O que seriam todos os médicos, advogados, engenheiros, atores, publicitários, arquitetos, cientistas e o escambau sem os professores? Analfabetos.
Hora de começar a rever seus valores, Brasil...

sábado, 25 de fevereiro de 2012

"Alma gêmea" define.

"Por que você fica me encarando desse jeito?", ela perguntou, desviando o olhar do meu, as orelhas já vermelhas. Eu não expliquei, mas aqui vai a verdade: Queria decorar cada detalhe das feições dela, ao ponto de poder desenhá-la com palavras e colori-la com versos sem precisar abrir os olhos. Queria conhecer o sinal perto de sua orelha direita, aquele pouco abaixo de seu olho direito, cada uma de suas sardas. Queria conhecer a curvatura de suas sobrancelhas tão bem quanto conheço a curvinha de seu queixo. Queria lembrar com perfeição da cicatriz em seu pescoço, conhecer a cor dos seus lábios tão bem quanto conheço o gosto deles. Queria saber se seus olhos são castanho-chocolate ou castanho-caramelo, onde eles se franzem quando ela sorri, como ela morde os lábios enquanto pensa. Agora entendo o quão injusto foi o desafio que me fiz - é impossível que qualquer palavra, seja em prosa ou em verso, trace tamanha beleza. É impossível encontrar metáfora que se iguale à intensidade de seu olhar e à doçura de seu sorriso, ao perfume único que impregna a esquina de seu pescoço, à maneira como meu estômago dá piruetas e minha mente se nubla quando ela me beija. É impossível mapear a firmeza que minha mão só ganha em sua cintura, o arrepio que percorre a minha espinha quando ela suspira em minha respiração, o dourado que seus olhos ganham quando ela me sorri depois do beijo. É impossível definir, descrever ou tentar explicar a minha menina, minha flor lilás. Ela é, como ela mesma um dia disse, "um quebra-cabeça de quinze mil peças" que eu fico tentando montar porque me encantei pelas cores e me apaixono cada vez mais pela figura. E todos os dias ela me prova que vale a pena o esforço - que mais ninguém seria capaz de me fazer tão feliz, tão boba, tão apaixonada. Que mais ninguém compartilharia meu sonhos de ter gêmeos, adotar uma Sofia, passar a lua-de-mel em Veneza e abrir uma livraria-floricultura na velhice.


"I can't see me loving nobody but you
For all my life
When you're with me, baby, the skies will be blue
For all my life..."

(Happy Together - The Beatles)

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Morte aos deuses da chuva!

(Pauta para o Bloinquês)


Ela não queria entrar no café. Saíra de casa tarde demais, na inútil esperança de que, se corresse, talvez conseguisse pegar o ônibus das 13:25. E talvez esse ônibus a deixasse na rua dele cedo o suficiente para que os  seus pezinhos apressados vencessem a distância até o prédio antigo e baixo rapidamente... Tão rapidamente que ele sequer notaria os poucos minutos de atraso. Ela sabia que ele não tolerava atrasos. E sabia que, exatamente por esse motivo, seu plano nunca poderia funcionar. O azar lhe perseguia desde a infância. "E que morram os deuses que fizeram chover", ela resmungava sem parar.

Ainda assim, a chuva lhe pegara de surpresa e ela não tivera escolha exceto abrigar-se no primeiro café que lhe apareceu. O ambiente era aconchegante, apesar de estar quase vazio àquela hora do dia. Música ambiente lhe acariciava os ouvidos e o aroma forte de café fresco lhe implorava para sentar por alguns minutos e pedir uma xícara. Ela desviou o olhar para a rua lá fora, para as gotas finas da garoa... Não saberia dizer quando tomou sua decisão, mas pegou-se sentada em uma mesinha próxima a uma das grandes portas do café. Sorriu para si mesma - quando fora a última vez que fizera algo tão espontâneo? Não podia lhe fazer mal.

A garçonete que se aproximou era jovem e sorridente, parecendo flutuar alguns centímetros sobre o chão tamanha era a sua alegria. Ela parou ao lado da mesa e estendeu-lhe um menu, sem pronunciar uma palavra sequer. A outra rejeitou o menu com um aceno curto da mão - econômica como sempre.

"Um café preto, por favor", foi sua ordem, seguida por um sorriso breve.

A garçonete acenou vezes demais com a cabeça antes de se afastar em direção ao balcão. A jovem olhou novamente para o lado de fora, analisando com olhos minuciosos a cidade cinzenta. Poucas pessoas se atreviam a desafiar a garoa, como se uma súbita crença houvesse se espalhado pelos becos da cidade de que isso apenas aumentaria a fúria dos deuses. Ela suspirou, correndo os dedos pelos cabelos curtos e ruivos. "Danem-se os deuses", pensou, revirando os olhos. "Pelo visto, tudo o que essa maldita entidade superior quer é a minha infelicidade. Ele não vai me perdoar de novo".

Sua linha de pensamento foi interrompida pela xícara fumegante que foi depositada em sua frente. Ela ergueu o olhar para conceder à garçonete um novo sorriso duro em forma de agradecimento, mas foi desarmada pelas lágrimas em seus olhos castanhos e pelo riso puro em seus lábios rosados.

"Ela me disse que você viria", a garçonete anunciou, como se fosse óbvio. A jovem franziu a testa em incompreensão e a garçonete fungou, enxugando uma lágrima na manga da camisa e tomando a liberdade de puxar uma cadeira para si. "A cigana. Eu perguntei se deveria lhe procurar, mas ela disse que não... Ela prometeu que você viria!".

A moça correu os olhos pelas feições delicadas do rosto da outra, tentando conter a repulsa pela palavra "cigana". Onde já havia visto aquele nariz de base reta e os olhos levemente puxados nos cantos? Onde já havia visto a sobrancelha direita que tinha a mania de ficar alguns milímetros mais alta que a esquerda quando ela sorria? Foi com um choque que percebeu: No espelho. Todas aquelas características eram suas, traços de seu próprio rosto. Foi já sabendo a resposta que ela abriu a boca seca para perguntar:

"Quem é você?"

E não lhe surpreendeu quando a outra alargou o sorriso, tornando-o compreensivo e receptivo, e respondeu:

"Também é bom te ver, irmã".

Seu peito se preencheu e ela não saberia dizer ao certo de quê. Mas sabia que o encontro com ele estava esquecido - não era importante. A única coisa importante em sua vida naquele minuto era conhecê-la... Conhecer aquela menina que desaparecera vinte anos antes e que ela crescera acreditando estar morta. Conhecer a única no mundo que compartilhava a sua sobrancelha direita.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Boba que sou...

Você lembra daquela comédia romântica que você viu na televisão ontem à noite? Talvez tenha sido semana passada ou mês passado. Talvez tenha sido até mesmo só uma pequena prévia no cinema de mais um dos filmes que você provavelmente não vai assistir. Lembra? Lembra do casal principal? Aquelas duas pessoas (per)feitas uma para outra... O casal que todos já tinham formado em pensamento, exceto eles dois. O casal que nunca imaginaria que terminaria como um casal. Lembra  do modo como eles olham um para o outro? Em silêncio, entre sorrisos, entre palavras que sequer precisam ser ditas... Se olham em silêncio por um minuto inteiro, então ela ri, envergonhada, e pergunta: "O que foi?" e ele responde: "Estava só olhando para você". Lembra da maneira como ele fala besteiras impossíveis para fazê-la sorrir? No meio do momento de suspense do filme, quando estão deitados juntos na grama do parque falando sobre a infância, quando a família dele a deixa nervosa no meio de um jantar. Lembra de como ela ri dessas piadas sem graça e os olhos dela brilham? Lembra de como ele sorri, bobo, e segura a mão dela logo em seguida? Lembra? Você lembra de como eles deitam juntos à noite e discutem os planos para o casamento, sussurram palavras de amor na penumbra do quarto e pegam no sono com dedos entrelaçados exatamente no mesmo momento? Lembra de quando, por outro lado, eles ficam acordados a noite inteira entre crises de risos e piadas, conversas que não fazem sentido e beijos? Lembra? Você lembra de como nada parece capaz de afastá-los? Eles pulam todos os obstáculos para estarem juntos e, quando é alto demais para pularem, enlaçam os braços e dão a volta no que quer que seja. Lembra? Lembra de como eles fazem guerra de espuma na hora de lavar os pratos? Você lembra de como eles tem um beijo desajeitado? Como de vez em quando os dentes colidem duas vezes seguidas e eles encontram intimidade suficiente para rir, com carinho e sem constrangimento, e continuar de onde tinham parado? Lembra de como se pirraçam e fazem ciúmes um no outro, como usam apelidos bobos com naturalidade, como de vez em quando agem como doentes mentais só porque se amam demais para serem completamente sãos? Lembra de como ele paga o ingresso do cinema para ela, aparece com flores sem motivo, abre as portas para ela passar? Lembra de como ela reclama disso tudo, mas, no fundo, não queria que ele fosse diferente (e ele sabe disso)? Você lembra de como ela sempre odiou surpresas, detestou ser encarada por muito tempo e prometeu nunca amar ninguém novamente? Lembra de como ele jurou nunca perdoar algumas coisas, nunca apresentar a namorada à família, nunca se deixar apaixonar tão completamente? Lembra de como ele faz tudo o que ela mais odeia, ela é tudo o que ele não queria e não esperava e mesmo assim eles não conseguem deixar de se amar? Sabe como eles se acham perfeitos um para o outro exatamente por não serem o que esperavam encontrar no amor? Alguns dizem que esses casais são o "casal de contos de fadas" das adolescentes. Já ouvi até mesmo alguns amargos dizerem que essas histórias, esses casais tão perfeitamente imperfeitos, não passam de ilusões criadas para despedaçar corações e sonhos de garotinhas que cresceram acreditando no príncipe encantado. Já estive, confesso, no meio desses amargos. Hoje sou doce... Sou doce e cor-de-rosa. E tudo porque encontrei a minha princesa dos contos de fadas, a minha menina das comédias românticas, o meu amor da vida real. Ela é a menina com quem estou disposta a casar, com quem quero estar na hora de enfrentar o mundo, a quem não me importo de dar o último gole do chá de pêssego. Ela é a menina que me provou que contos de fadas, comédias românticas, ilusões ou como quer que queiram chamar, podem, sim, se tornar realidade... E que a realidade pode, sim, ser melhor que qualquer sonho. Nós somos aquele casal da comédia romântica. E eu nunca pensei que pudesse ter tanta sorte...


"Come what may
Come what may
I will love you
Until my dying day..."

(Come What May - Moulin Rouge)

sábado, 21 de janeiro de 2012

"Silence is a girl's loudest cry"

- Mas você também me ensinou muito.
- Ensinei? E o que você aprendeu comigo?
- Aprendi que a pessoa ao seu lado pode estar se destruindo tão silenciosamente que, se você não estiver prestando atenção, não vai perceber nada.

Pois que sirva de lição para todos: Prestem atenção. A verdade é que a vida é absolutamente justa: Não vê cor, classe econômica, orientação sexual ou feitos passados na hora de derramar suas graças ou distribuir suas tragédias. Trata todos como o que são - iguais. E é exatamente por a vida ser justa que ela é, em geral, tão absolutamente imprevisível. Você não prevê o que vai acontecer... Prevê o que deseja, o que teme, o que acha que merece. E faz questão de colar em cada espelho da sua casa que não tem com o que se preocupar porque você é um bom samaritano, é cidadão direito, vai a Igreja todos os domingos, nunca deixou de tomar conta dos seus sobrinhos - tragédias só acontecem com quem merece, não é verdade? A grama do vizinho pode até ser mais verde, mas também é na árvore dele que cai o raio, não é? Eu entendo: Se não nos acostumarmos a pensar que estamos seguros, iremos à loucura vivendo em um constante medo da tão chamada "vida injusta". Não é isso o que quero... O que quero é que todos aprendam a abrir os olhos e prestar atenção. Porque aquela garota calada que senta na carteira ao lado da sua todas as manhãs pode estar sendo molestada em cada. O seu melhor amigo que usa mangas longas todos os dias da semana pode passar horas sozinho no quarto todas as noites, se cortando e desejando que alguém o note. A sua filha com quem você tanto reclama por usar roupas largas demais pode estar tentando esconder os ossos visíveis demais, pode estar tentando te proteger da própria anorexia. O seu irmão que desaparece depois de todas as refeições pode estar trancado no banheiro, com dois dedos na garganta, querendo que você abra a porta e o impeça. A pessoa mais próxima de você pode estar se destruindo aos poucos e querendo que você preste o mínimo de atenção e a impeça de se perder completamente. Não acontece só com o vizinho, com o primo da amiga da sua tia, com aquele garoto nos Estados Unidos. Acontece todos os dias, em cada esquina, ao seu redor. E a única maneira de mudar algo é abrindo os olhos. É prestando atenção. Temos que sair da nossa zona de conforto, da nossa conformidade, da nossa cegueira seletiva e coletiva para tirar do escuro aquelas pessoas ao nosso lado que estão, em silêncio, gritando por socorro todos os dias.


"Is anybody listening?
Can you hear me when I call?
I'm shooting signals in the air
'Cause I need somebody's help
I can't make it on my own
So I'm giving up myself
Is anybody listening?"

(S.O.S. - Good Charlotte)