terça-feira, 19 de julho de 2011

Uma tarde de quarta


Seu olhar encontrou o meu por breves segundos e fez que ia me prender ali para sempre - e aquele sorriso meio torto que eu tanto amava formou-se em seus lábios só para mim. Mas então o momento passou e ela também passou, entrando na sala sem pudores, tirando os sapatos, sentando-se no sofá e puxando os pés para o assento. Eu amava aquela sua segurança, aquela certeza que aparentava em cada passo. Tão oposta a mim, tão perfeita para mim.

Acendeu um cigarro, fingindo não ver o meu olhar de reprovação, e tragou por longos instantes. Minha repulsa se desfez no momento em que ela, soltando a fumaça por entre os lábios rosados, fez sinal para que eu me aproximasse. Fiz como ela pediu, sentindo-me uma criancinha pega no meio de uma traquinagem. E, afinal, que outras palavras poderiam me definir? Aquelas semanas de silêncio não poderiam ser descritas como nada além de uma traquinagem, uma bobagem de criança que ainda acredita que fugir vai fazer os problemas desaparecerem. Desejei ter crescido como nunca antes havia desejado.

Ela enlaçou minha cintura com seus braços finos, puxou-me para que caísse sentada ao seu lado e seus olhos brilharam daquele jeito que costumavam brilhar o tempo inteiro. Ri de leve, mas logo o medo congelou minha expressão em um sorriso frio, incerto. Não sabia se podia sorrir. Tentei falar, mas as palavras se perderam no meio do caminho entre meu cérebro e meus lábios. Também não sabia se podia falar. Observei-a me observar. Decidi que ela, por haver batido em minha porta em plena tarde de quarta-feira, deveria falar. E ela falou.

- Não posso mais com isso. Essa sua ausência. Não sou dessas pessoas de palavras... Dessas pessoas tipo você, que conseguem dizer as coisas e pronto, resolvido. Mas estou aqui e estou tentando porque não posso mais com essa saudade que me dá de você, de mim e de nós. Nunca gostei dessa parte de você que foge de mim, se esconde de meus olhares e resiste a minhas carícias, mas é ainda pior quando tudo em você desiste de mim. É ainda pior ver você por inteiro se perdendo sem mim... Não sei mais me perder sem você e sempre foi perdida nas nossas confusões de mãos, gostos e cheiros que me senti mais feliz. O que estou tentando dizer é só que vim sem avisar porque se avisasse não teria coragem de vir... Você sabe bem como sou. Vim assim de supetão porque precisava vir para me desculpar. Desculpa ter esquecido que nem todo mundo é assim que nem eu: imediatista, impaciente, impulsivo. Desculpa ter esquecido que o que você esconde aí tem motivo pra estar escondido. Se você ainda me quiser por aqui, me avisa que eu volto... Volto correndo que essa falta de você me tira o sono, a fome e o riso. Volto e prometo te deixar decidir quando se mostrar... Prometo esperar sem pressa, esperar pra sempre se for preciso, mostrando de mim o tudo que sempre mostrei.

E ela se calou assim de repente, tão de repente quanto havia começado a falar, quanto havia aparecido ali, quanto sempre fazia as coisas. Ela era assim: De repente. Tinha me aparecido de repente, me amado de repente, sempre me beijava de repente e dizia as coisas de repente. E eu amava o modo como cada segundo ao lado dela era uma surpresa. Ela esperava uma resposta, eu sabia, mesmo que fingisse não esperar - mesmo que fitasse a televisão desligada com atenção e tragasse o cigarro com a sua clássica despreocupação.

Ergui a mão; ela me olhou. Puxei o cigarro dos seus lábios e o apaguei no cinzeiro que não havia criado coragem para tirar da mesinha de centro. Quis dizer tanto que terminei não dizendo nada e ela só me observou enquanto eu a observava. Afastei alguns fios de cabelo que caíam sobre seu olho, percorri suas feições com a ponta do indicador, sorri. Ela tomou meu queixo entre seus dedos, inclinou-se sobre todas as longas horas perdidas ao lado do telefone que não tocava e me beijou - daquele jeito que só ela sabia beijar.

Ela tinha gosto de café. Estava tudo em seu lugar.

1 comentários:

Any disse...

lindo lindo lindo *-*