domingo, 2 de outubro de 2011

A menina e o pássaro.

- Aonde vai, pássaro, que tem tanta pressa?
- Ora, menina, mas não é claro? É inverno e vou atrás do meu amor.
- E onde está esse seu amor?
- Longe. Onde os dias são quentes, o céu é azul e as flores riem suas mil cores para quem quiser ver.
- E como é sua amada, pássaro?
- Mas não é claro, menina? Ela é flor: Bela, delicada, cheia de cor e dor e amor. Ela cheira a primavera, se move como brisa e seu riso tem gosto de saudade.
- Por que não está com ela agora, pássaro?
- Porque nem sempre a gente pode ter tudo o que quer, menina. Veja bem, eu a queria, a queria mais que a qualquer outra coisa, mas um pedaço de mim voou para tão longe que o perdi de vista... E eu precisava desse pedaço, menina, precisava desse pedaço para ser. Assim, tive que vir... Tive que vir para recuperar de mim aquilo que se perdeu. E agora que me encontrei, menina, volto para ela, como prometi que faria... E volto limpo, novo, renascido.
- Por que volta para ela, pássaro?
- Ora, menina, volto porque a amo!
- Se a ama, por que partiu?
- Menina, menina, mas já não lhe expliquei? Olhe aqui: Preciso de mim para existir, mas preciso dela para viver. Entende a diferença, menina? Sem ela, sou pedaço vazio, casca oca, metade dolorida. Sem mim, sou um turbilhão de sentimentos sem morada, sou alma perdida, sou poesia e sentimento desperdiçados. Entende?
- Acho que entendo, pássaro, acho mesmo que sim...
- O que foi, menina?
- Nada, nada. Lembrei de alguém... Alguém que deixei longe, onde a brisa é mansa e o ar cheira a esperança.
- E você vai voltar para ela, menina, quando seu tempo chegar?
- Vou, pássaro. Vou porque a amo. Vou porque sem ela eu sou metade dolorida.
- Pássaro não, menina: Beija-flor. Vê? Sem minha flor, nem nome tenho. E qual o seu nome, menina?
- Muda a cada dia, Beija-flor. Hoje eu queria que fosse Chuva, para viajar pelos céus e escorrer pelo rosto dela até alcançar os lábios doces.
- Então, para mim você é Chuva. Chuva de fim de tarde, repleta de amor... Mas que poema você é, hein, menina?
- É culpa dela, Beija-flor... Mas vai, vai ver a sua amada que está na sua hora, deixa eu me perder nessas páginas empoeiradas e no passar arrastado dos ponteiros do relógio. Vai ser feliz, Beija-flor.
- Vou. Mas não se preocupa, menina-chuva... Mando um beijo pra sua flor enquanto ainda não é sua hora de batucar a janela dela. Vamos ser felizes que, de perto ou de longe, o essencial é amar.


"E, assim, no teu gosto eu fui chuva
Jeito bom de se deixar viver

Nada do que fui me veste agora
Sou toda gota, que escorre livre pelo rosto
E só sossega quando encontra tua boca

E, mesmo que eu te me perca,
Nunca mais serei aquela que se fez seca
Vendo a vida passar pela janela"

(Quando fui chuva - Maria Gadú)

1 comentários:

Rubens disse...

Gosto muito do blog. Primeira vez que estou comentando nele. Pena que em tempos de Facebook as pessoas não valorizem mais tanto os blogs. Já pensou em criar uma página no Facebook? Abraços